Adler Murada em residência na Paim
Cultura e comida – uma experiência sobre o entendimento da migração, habitação e trabalho
Por Carina Paoletti
Trabalhar com comida combina diferentes interesses do artista Adler Murada dentro de seu processo artístico. Em 2014, em residência em Bogotá (CO), junto com a vídeo artista canadense Nisha Planeteer, começou a utilizar um retroprojetor como suporte para experimentos com projeções de imagem. Os encontros diários no horário das refeições passaram a tomar lugar importante para discussão de pesquisas, mais até do que as rotinas de ateliê. Foi a partir daí que as performances com alimento iniciaram em seu percurso, se formalizando como jantares públicos pensados como trabalho expositivo.
Derivas da cozinha, ação realizada em parceria com a plataforma Lanchonete.org em 2015, começou dentro dessas instâncias coletivas, utilizando o retroprojetor como mesa para o preparo de refeições e trazendo, com manipulação de imagens, operações da cozinha. A performance ganhou forma e foi apresentada partindo dessa premissa; criar uma situação de encontro de pessoas e articulação da política e história dos alimentos, ressaltando o argumento sobre a experiência estética contida na comida. A performance aconteceu a partir da fabricação de pães, resgatando a universalidade que este elemento da culinária representa.
Derivas da cozinha, 2015
Derivas da cozinha, 2015
Derivas da cozinha, 2015
Derivas da cozinha, 2015
Derivas da cozinha, 2015
Este ano numa nova parceria com Lanchonete.org, que se consolida durante a residência na rua Paim nos meses de junho e julho, o artista continua sua pesquisa que compartilha e conecta história local e comida.
Edifício 14 bis, 2017
Neste período, dentre as inúmeras descobertas em conversas com a comunidade, percebeu muito presente a grande quantidade de migrantes nordestinos no Edifício 14 bis, em especial vindos do Piauí, seu estado natal. Nesse microcosmo, os restaurantes e bares são os principais espaços de convivência e de lazer dos moradores, algo que os liga de maneira íntima e estabelece conexões com suas respectivas regiões através das tradições culinárias e musicais, como é o caso do Bar do Tarcísio, ele (Tarcísio), de Piripiri, no norte do estado do Piauí. Desde então, durante o período de residência, o artista compartilha as instalações do bar como escritório e ateliê, estabelecendo um espaço aberto a esse diálogo com a comunidade.
Bar do Tarcísio, 2017
O artista ressalta o fato de boa parte dos restaurantes da cidade de São Paulo terem como principal mão de obra cozinheiros e garçons nordestinos, em especial vindos do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Muitos desses trabalhadores chegam nessas cantinas suprimindo os seus saberes culinários para atender a “gourmetização” e os padrões alimentares da cidade grande, estando também submetidos à relações precarizadas de moradia. E mesmo os residentes da rua Paim, beneficiados por estarem fixados em uma região central próxima aos locais de trabalho e até pela historia do edifício 14 bis (originalmente projetado para atender moradia popular), são alvo hoje justamente do aumento dos alugueis devido à especulação imobiliária na região.
O que está sendo elaborado na rua Paim, portanto, são diversas situações de aparecimento dessas narrativas locais por via da comida, como ferramenta para entender as relações complexas entre a migração, habitação e o trabalho.
Colaborações importantes dentro do projeto estão na parceria com o cozinheiro Abdoulaye Guibila, de Burkina Faso, que participa da pesquisa trazendo sua bagagem culinária e em diálogo também com a escola de culinária Gastromotiva. Abdoulaye integra a plataforma Lanchonete.org na concepção das refeições, ele recentemente realizou junto à artista e cozinheira Pipa as versões do lanche cuiabano, “baguncinha”. Agora, elabora junto ao residente um resgate de receitas e histórias da migração nordestina, com um cardápio que será servido em refeições que se darão dentro do calendário de eventos locais, como a Festa Julina programada para o dia 30 de Julho. Além disso, Adler está no processo de montagem de uma publicação, resultado da pesquisa e das ações na rua Paim.
Pipa e Abdoulaye cozinhando e montando os ” baguncinhas”, 2017
*Nota editorial: A residência de Adler foi encerrada com um evento de Festa Julina no Conjunto Santos Dumont. Na ocasião, exemplares do cordel “Receitas da Paim” estiveram disponíveis para distribuição, o trabalho desenvolvido pelo artista junto aos moradores do local que envolveu o resgate de pratos típicos e histórias da migração nordestina.
Adler Murada é artista e pesquisador de Teresina, Piauí, vive e trabalha em São Paulo há mais de 5 anos e seus projetos partem de questões relativas à cultura contemporânea, articulando reflexões políticas encontradas nas narrativas históricas “invisibilizadas” e hegemônicas. Sua pesquisa se volta para histórias não concluídas e, a partir daí, elabora novas construções e relatos com trabalhos que circulam no híbrido entre produção de objetos, performances, publicações e curadoria, bem como de ações culturais e sociais. O processo do artista está ligado à criação de lugares e situações para entender e problematizar a função do artista, questionando noções do conhecimento e os instrumentos que o legitimam.
Estudou Comunicação Social, dando continuidade em programas de formação e oficinas, entre eles, Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Parque Lage), e o programa independente Pimasp, do Museu de Arte de São Paulo/MASP. Participou de exposições no Itaú Cultural (São Paulo -SP), Centro Cultural Banco do Nordeste (Fortaleza-CE), Museu Murillo La Greca (Recife-PE), Museu do Piauí (Teresina -PI), além de espaços independentes, como Ateliê397 (São Paulo-SP) e Miami Práticas Contemporâneas (Bogotá – CO). Integrou a equipe curatorial da primeira edição do Festival Kuir Bogotá (CO) e participa da edição de 2017 do programa School of Curating – Komplot (Brussels-BE).